Tabaco e Amamentação – o que deve saber para poder decidir
Tenho adiado escrever sobre este tema. Tem sido um tema a passar de “to do list” em “to do list”, sem que sequer comece o texto. Há temas assim.
Há temas em que apesar de ideias convictas, fundamentações científicas elucidativas, e a certeza de uma “opinião publica” previamente formada, me têm sido mais difíceis de abordar. Este é um deles.
Não temo o julgamento ao texto, só escrevo aquilo em que acredito.
Quase nem sei explicar esta dificuldade, senão com a relação “estranha” que eu própria tive/tenho com o tabaco.
Correndo o risco de que abandonem a leitura, vou partilhar a minha história:
– aos 16 anos decidi começar a fumar. 3 semanas duras, de diarreias/vómitos e fortes dores de cabeça, mas consegui!
– fumava 1 maço de tabaco por dia. Havia mesmo um cinzeiro na gaveta da mesa de cabeceira. 1 cigarro e 1 café eram as minhas últimas acções do dia.
– aos 28 anos, quando comecei a pensar em engravidar, acordei um dia e decidi parar de fumar. Estava no Algarve, a trabalho, ía regressar ao Porto de camioneta, com todos os colegas de trabalho. Dei o cigarro que me restava no maço e, até hoje, só por uma ocasião de que rapidamente me arrependi, voltei a “dar umas passas” num cigarro. End of story.
Estima-se que entre 7% a 16% das mulheres que amamentam consomem tabaco (3).
A nicotina não é considerada contraindicação para a amamentação (2).
Naturalmente que o ideal e desejável é que,
1º – todos os bebés sejam amamentados, idealmente em exclusivo até aos 6 meses, pois são sobejamente conhecidos os benefícios para o bebé, mãe, família e sociedade,
2º – que o tabaco seja um vício cada vez mais longínquo para todos, pois são também conhecidos os malefícios dos seus componentes nocivos para a saúde, embora, creio, ainda não conscencializados.
Defendo pois que o esforço colectivo se deveria centrar em políticas de saúde e outras com vista ao abandono do consumo desta “droga” socialmente aceite, de uma forma global, e não a apontar o dedo, punindo ou recriminando a mãe fumadora.
Naturalmente que sendo fumadora e estando a pensar em engravidar, é importante, quer por si, quer pelo bebé, que possa recorrer a ajuda no sentido de deixar de fumar – a gravidez é, por si só, um bom elemento motivacional, e nos mais diversos âmbitos tem-se verificado ser um momento em que as famílias procuram implementar hábitos mais saudáveis nas suas rotinas.
Mas, o que sabemos sobre este tema?
– sabemos das consequências da exposição de uma criança ao fumo do cigarro (fumador passivo), nomeadamente o agravamento de quadros alérgicos, o aumento na duração e frequência das infecções respiratórias de entre outras (1)
– sobre o impacto que o consumo de tabaco pela mãe tem no bebé, no que à transferência dos seus componentes através do leite materno diz respeito, verdadeiramente sabemos ainda pouco, muito pouco.
Sabemos que os efeitos provocados no recém-nascido variam também com o intervalo de tempode corrido entre o último cigarro e a mamada, já que o tempo de permanência da nicotina no leite-materno (semi-vida) é de cerca de 2 horas.
Sabemos que o consumo de um número superior a 10 cigarros por dia é um factor de diminuição da produção de leite (baseado num estudo experimental com 15 mulheres) (2).
Sabemos que altera o sabor do leite e aumenta a probabilidade de desmame precoce (1).
Sabemos que reduz o teor de iodo presente no leite materno, havendo por isso a recomendação de ser feita suplementação extra de iodo às mães fumadoras (1).
Sabemos que episódios agudos de fumo por mães lactantes altera os padrões de sono/vigília dos bebés amamentados (1).
Sabemos também que quando comparado com leite artificial, o leite materno tem efeitos protectores (2) aos mais diversos níveis……..
Perante tudo o que sabemos e desconhecemos ainda também, reforço a minha mensagem convicta, de que as políticas de saúde e outras devem tender para a informação e o suporte à mulher que quer amamentar – seja ela fumadora ou não, desde logo – e mais do que recriminar, descriminar e/ou condenar, a sociedade se foque em dar colo.
Daquilo que são as evidências, leite materno continua a ser a melhor escolha para os recém-nascidos. Não retiremos à mulher/mãe esse direito.
- Primo, Cândida Caniçali, Ruela, Priscilla Bôa F., Brotto, Léia Damasceno de A., Garcia, Telma Ribeiro, & Lima, Eliane de Fátima. (2013). Efeitos da nicotina materna na criança em amamentação. Revista Paulista de Pediatria, 31(3), 392-397. https://doi.org/10.1590/S0103-05822013000300018
- http://www.aleitamento.com/amamentacao/conteudo.asp?cod=238 – Mennella, Yourshaw, Morgan et al. (2011) Tabagismo materno & amamentação X sono e alimentação infantil Fumo e amamentação: efeitos a curto prazo no sono e na alimentação de crianças
- http://www.aleitamento.com/amamentacao/conteudo.asp?cod=2496 – Prof. Marcus Renato de Carvalho, IBCLC, Posso beber ou fumar e Amamentar?