Prematuridade: um encontro com a pressa de viver
A cada ano cabe-me este momento de reflexão, de visita a memórias, sensações, aprendizagem e desafios que conhecer a realidade da prematuridade me colocou.Não vivi na primeira pessoa este desafio, mas dei e dou a mão a várias famílias que percorreram este caminho.
Não tenho a pretensão de saber o que sentem; apenas acolho e amparo, escuto e dou colo, observo e vejo os passos que dão.
Quando penso em prematuridade penso em pressa de conhecer o mundo – já vi, nos olhos da Maria, com uma clareza que não sabia possível, tal era a sua sofreguidão em absorver o que a rodeava. Cada aula de massagem a que veio a sua cabeça buscava qualquer som que captasse, como se o quisesse sorver, integrar, tornar seu também. E os olhos! Os olhos da Maria sempre estiveram cheios de uma luz tão sua, tão funda! Nem preciso fechar os olhos para trazer à memória, os olhos grandes e luminosos da Maria!
Quando penso na prematuridade, penso em calma, voz suave, olhar sereno e mãos que curam – sei-o nas mãos de cada profissional que toca, bebés e famílias, muito para lá do simples toque físico, de uma forma ainda mais intensa em cada interação que se pode tornar determinante e verdadeiramente curadora.
Quando penso em prematuridade penso em sons, alerta, agitação, intervenção rápida, medo, imobilização, adrenalina e gritos – que imagino se ouvirem nas salas de cada serviço, em qualquer hospital do mundo que acolha prematuros.
Quando penso em prematuridade penso em medicina, investigação, evolução e quanto caminhamos já nas últimas décadas às mãos de cabeças inspiradas e inspiradoras – a ciência salva!
Quando penso em prematuridade penso em resistência e resiliência – viver com a vida entre os dedos é uma tarefa para os melhores – pais, profissionais, famílias….
Quando penso em prematuridade penso em abismo, rutura total face a uma realidade expectável, e a total ausência de planos que vão para lá do dia seguinte – num congelamento incrédulo de uns pais que, não podendo dar colo, precisam dele desesperadamente.
Quando penso em prematuridade penso em medo do dia seguinte, penso em medo da noite e da distância que ela impõe entre pais e bebé.
Quando penso em prematuridade penso em esperança – sem ela o tempo pararia para estes pais guerreiros e culpa – essa dicotomia que potencia as montanhas-russas de emoções que a cada vida palpitam nestes corações apertados.
Quando penso em prematuridade, penso em luta, sem armas, sem punho de ferro, mas com alma, entrega, pensamento… com apelo ao desconhecido que move a energia do universo.
Quando penso em prematuridade penso em rede de suporte, em amizades nos corredores do hospital, entre pares, partilhando progressos vizinhos e abraçando “desconhecidos” nos dias mais sombrios – numa verdadeira e pura manifestação da solidariedade no que ela tem de melhor, genuíno e transformador.
Quando penso em prematuridade penso em fé – certamente presente nos avós, tios, familiares e amigos destes pais, que nela encontram uma forma de aquecer dois corações que agora batem num ritmo diferente.
Quando penso em prematuridade, penso em AMOR!
Quando penso em prematuridade, penso em amor – um amor que se transforma em força, que une famílias, que cria laços inquebráveis entre pais e filhos, mesmo nas circunstâncias mais desafiadoras. É esse amor que, no final, nos ensina a valorizar cada pequeno milagre e cada momento vivido.