O Velho, o rapaz e o burro
n
n
n
O Velho o Rapaz e o Burro – Histórinhas D’ Embalar #29
n
n
O mundo ralha de tudo,
n
Tenha ou não tenha razão,
n
Quero contar uma história
n
Em prova desta asserção.
n
Partia um velho campónio
n
Do seu monte ao povoado,
n
Levava um neto que tinha
n
O seu burrinho montado.
n
Encontra uns homens que dizem:
n
— Olha aquela que tal é!
n
Montado o rapaz, que é forte,
n
E o velho trôpego a pé.
n
— Tapemos a boca ao mundo —,
n
O velho disse: — Rapaz,
n
Desce do burro, que eu monto,
n
E vem caminhando atrás.
n
Monta-se, mas dizer ouve:
n
— Que patetice tão rata!
n
O tamanhão de burrinho,
n
E o pobre pequeno à pata.
n
— Eu me apeio —, diz prudente
n
O velho de boa-fé,
n
— Vá o burro sem carrego,
n
E vamos ambos a pé.
n
Apeiam-se, e outros lhe dizem:
n
— Toleirões, calcando lama!
n
De que lhes serve o burrinho?
n
Dormem com ele na cama?
n
— Rapaz —, diz o bom do velho,
n
— Se de irmos a pé murmuram,
n
Ambos no burro montemos,
n
A ver se inda nos censuram.
n
Montam, mas ouvem de um lado:
n
— Apeiem-se, almas de breu,
n
Querem matar o burrinho?
n
Aposto que não é seu.
n
— Vamos ao chão —, diz o velho,
n
— Já não sei o que hei-de fazer
n
O mundo está de tal sorte,
n
Que se não pode entender,
n
E mau se monto no burro,
n
Se o rapaz monta, mau é,
n
Se ambos montamos, é mau,
n
E é mau se vamos a pé:
n
De tudo me têm ralhado,
n
Agora que mais me resta?
n
Peguemos no burro às costas,
n
Façamos inda mais esta.
n
Pegam no burro; o bom velho
n
Pelas mãos o ergue do chão,
n
Pega-lhe o rapaz nas pernas,
n
E assim caminhando vão.
n
n
— Olhem dois loucos varridos! —,
n
Ouvem com grande sussurro,
n
— Fazendo mundo às avessas,
n
Tornados burros do burro!
n
O velho então pára e exclama:
n
— Do que observo me confundo,
n
Por mais que a gente se mate
n
Nunca tapa a boca ao mundo.
n
Rapaz, vamos como dantes,
n
Sirvam-nos estas lições;
n
É mais tolo quem dá
n
Ao mundo satisfações.
n
n
La Fontaine
n