O Isqueiro Mágico
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O isqueiro Mágico – Histórinhas D’ Embalar #34
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Pela estrada fora marchava um soldado: «Esquerda – Direita – Esquerda –Direita».
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Trazia um saco às costas e uma espada à cintura. Tinha estado na guerra e regressava agora a casa.
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Pelo caminho, encontrou uma bruxa medonha, com um lábio descaído sobre o queixo.
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– Boa tarde, soldado – cumprimentou a bruxa. – Tens uma bela espada e um saco enorme. És um verdadeiro soldado e, por isso, devias ser tão rico quanto desejasses.
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– Obrigado, velha bruxa – respondeu o soldado.
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– Vês aquela árvore enorme? – perguntou a bruxa, apontando para uma árvore que se encontrava atrás deles. – Na verdade, é oca por dentro. Tens que trepar até à copa e enfiar-te no buraco que lá existe. Deixa-te escorregar até ao fundo. Amarrarei uma corda à tua volta para te puxar quando quiseres sair.
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– Mas o que vou fazer dentro da árvore? – perguntou o soldado.
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– Apanhar dinheiro. Quando chegares ao fundo encontrarás uma grande sala iluminada por trezentas lâmpadas. Aí existem três portas, muito fáceis de abrir porque têm as chaves na fechadura. Para lá da primeira porta está um cofre enorme no meio da sala e, em cima dele, um cão com os olhos tão grandes como chávenas de chá. Não te assustes: estende o meu avental no chão e põe o cão em cima dele. Abre então o cofre e tira tantas moedas quantas quiseres. São todas de cobre. Mas, se preferires moedas de prata, entra na segunda sala. O cão que guarda essa sala tem olhos tão grandes como as mós de um moinho. Que isso não te assuste! Põe o cão em cima do meu avental e tira o dinheiro que entenderes. No entanto, se preferires moedas de ouro, entra na terceira sala, onde está outro cofre repleto de dinheiro. O cão que está em cima dele é deveras assustador. Tem os olhos tão grandes como torres, mas não lhe ligues. Assim que estiver em cima do meu avental, não poderá fazer-te mal. Tira do cofre todo o ouro que quiseres.
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– Não é mau negócio, não senhor. Mas o que me pedes em troca, velha bruxa? De certeza que queres alguma coisa…
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– Lá isso é verdade – respondeu a bruxa. – Mas fica descansado que não quero uma única moeda. Promete apenas trazer-me um velho isqueiro de que a minha avó se esqueceu da última vez que lá foi.
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– Muito bem, prometo. Agora amarra a corda à minha volta.
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– Aqui está ela e também o meu avental.
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O soldado seguiu as instruções da bruxa. Quando chegou ao fundo do buraco, encontrou a sala de que ela falara e abriu a primeira porta.
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Lá estava o cão a fitá-lo com uns olhos do tamanho de chávenas de chá.
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– És um cão bem bonito – disse o soldado, enquanto o acariciava e o sentava em cima do avental da bruxa.
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Depois, abriu o cofre e encheu os bolsos com quantas moedas lá couberam. Em seguida, entrou na segunda sala, guardada pelo cão com os olhos do tamanho de mós de moinho.
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– É melhor não olhares para mim dessa maneira – disse o soldado.
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Dito isto, sentou o cão no avental da bruxa e abriu o cofre. Mas, quando viu a enorme quantidade de moedas de prata nele contidas, deitou fora as moedas de cobre que tinha apanhado anteriormente e encheu os bolsos e o saco com moedas de prata.
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Finalmente, entrou na terceira sala. O cão que aí encontrou era hediondo. Realmente tinha os olhos tão grandes como torres.
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– Bom dia – cumprimentou amavelmente o soldado que se assustou bastante porque nunca tinha visto um cão assim.
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Mas, como o cão não dava sinais de agressividade, colocou-o em cima do avental da bruxa e abriu o cofre. Santo Deus! Tanto ouro! Dava para comprar todos os bombons e bolos do mundo, todos os soldados de chumbo, todos os cavalinhos de madeira ou, até, a cidade inteira.
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O soldado deitou fora todas as moedas de prata e substituiu-as por moedas de ouro. Encheu também o boné, o saco e as botas. Mal podia andar…
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Era agora um homem muito rico! Fechou a porta da sala e gritou:
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– Velha bruxa, iça-me!
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– Tens o isqueiro? – Perguntou-lhe a velha.
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– Não, confesso que me esqueci dele.
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Voltou atrás, apanhou o isqueiro e, em seguida, a bruxa puxou-o para cima.
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– Porque desejas tanto o isqueiro? – Perguntou o soldado, quando se viu de novo na estrada.
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– Isso não é da tua conta. És um homem rico, tal como te prometi. Dá-me o isqueiro e segue o teu caminho. – Respondeu a bruxa.
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– Se não me disseres para que queres o isqueiro, corto-te a cabeça.
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– Não! – gritou a velha.
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Então o soldado pegou na espada. A bruxa fugiu para a floresta e desapareceu para sempre. O soldado meteu todo o dinheiro no avental, guardou o isqueiro no bolso e continuou o seu caminho. Pouco depois, chegou a uma linda cidade. Alojou-se na melhor estalagem que aí existia e encomendou muitas iguarias para o jantar. Era, agora, um homem riquíssimo e podia gastar dinheiro à vontade.
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No dia seguinte comprou belas roupas e, daí em diante, todos o consideraram um verdadeiro senhor.
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As pessoas distintas foram visitá-lo e falaram-lhe das maravilhas da cidade e da bela princesa, filha do rei.
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– Como posso conhecê-la? – Perguntou o soldado.
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– Não é possível! Vive encerrada na torre mais inacessível de um castelo de cobre. Só o rei a visita porque profetizaram que ela casaria com um soldado e o pai nem quer pensar que tal possa vir a acontecer. – Disseram-lhe.
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«Gostaria muito de a ver!» Pensou o soldado. Mas, como tal não era possível, tratou de se divertir à farta. Foi ao teatro, visitou os jardins reais e, como não se esqueceu dos tempos difíceis, distribuiu muito dinheiro pelos pobres.
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Como era imensamente rico, vivia rodeado de amigos que não se cansavam de o elogiar. Porém, o dinheiro foi desaparecendo e, um belo dia, viu que lhe sobravam apenas duas moedas. Foi então obrigado a alugar um sótão, a limpar ele próprio os sapatos e a remendar os fatos. Os amigos deixaram de o visitar dizendo que lhes custava muito subir as escadas. Houve uma noite, escura como breu, em que nem sequer tinha uma vela para se iluminar. Nisto, lembrou-se do isqueiro da bruxa. Assim que o acendeu, apareceu-lhe o cão dos olhos tão grandes como chávenas de chá que lhe perguntou:
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– O que ordenas, Senhor?
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O soldado ficou admiradíssimo, mas não perdeu tempo e pediu:
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– Traz-me algum dinheiro!
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O cão desapareceu por breve instantes e, quando regressou, traziam a boca cheia de moedas de cobre. Nesse momento, o soldado compreendeu finalmente o valor daquele isqueiro. Quando o acendia uma vez apenas, aparecia-lhe o cão de guarda das moedas de cobre; se o acendia duas vezes, era o cão de guarda das moedas de prata que se apresentava à sua frente; o cão de guarda das moedas de ouro aparecia-lhe quando acendia o isqueiro três vezes.
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Era de novo um homem rico. Voltou para os seus antigos aposentos, passou a usar vestuário luxuoso e, é claro, os amigos voltaram a visitá-lo.
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No entanto, não esquecia a bela princesa que vivia encarcerada numa torre, sem poder ver ninguém. Resolveu usar o poder do isqueiro para a conhecer. Acendeu-o uma vez e o cão dos olhos do tamanho de chávenas de chá, apareceu diante dele.
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– É já meia-noite. Mas, apesar da hora tardia, gostaria de ver a princesa, nem que fosse apenas por um momento. – Disse ele ao cão.
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O cão desapareceu e voltou num piscar de olhos. Trazia no dorso a princesa adormecida. Era tão bela e delicada que, quem a visse, reconhecia imediatamente que era uma verdadeira princesa. O soldado beijou-a e o cão levou-a de volta à sua torre.
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Na manhã seguinte, a princesa contou aos pais ter visto, em sonhos, um cão e um soldado que a havia beijado.
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– Foi um sonho bonito! – Respondeu a mãe.
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Para ter a certeza de que a princesa tinha apenas sonhado, a rainha encarregou uma aia de a vigiar durante o sono.
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O soldado não podia esquecer a gentil menina e desejava ardentemente voltar a vê-la. Enviou o cão que correu o mais depressa que pode. Mas a aia viu-o e correu no seu encalço. Assim que ele entrou na estalagem, a aia desenhou uma cruz na porta para a assinalar e voltou ao castelo. Pouco depois, o cão regressou com a princesa. Ao ver a cruz, percebeu para que servia e desenhou outras nas portas das casas da vizinhança. Na manhã seguinte, o rei e a rainha partiram à procura da casa onde a princesa tinha estado. Mas, como havia cruzes em muitas portas, não conseguiram chegar a uma conclusão.
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A rainha, que era muito inteligente, não se deu por vencida. Fez um saquinho de seda, encheu-o de farinha, fez um pequeno corte num dos cantos do saco e prendeu-o ao pescoço da princesa.
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Na noite seguinte, o cão foi buscar a princesa. Porém, não se apercebeu do rasto de farinha que marcava o caminho desde o castelo até ao quarto do soldado.
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De manhã, o rei e a rainha descobriram facilmente o apaixonado da sua filha. O soldado foi preso e condenado à forca. Pobre soldado! Estava numa situação desesperada. Através das grades da prisão podia ver a multidão que acorria à cidade para assistir à sua morte. Que podia ele fazer para se salvar? Se ao menos tivesse trazido o isqueiro mágico…
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Foi então que um rapazinho, aprendiz de sapateiro, desatou a correr por entre a multidão. Com a pressa, saltou-lhe do pé uma das sandálias que foi bater nas grades da prisão.
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– Não precisas de correr tanto, rapaz. – Gritou-lhe o soldado. – O espectáculo não começa sem mim, podes crer. Entretanto, não queres ganhar quatro moedas? Corre à minha estalagem e traz-me o isqueiro que lá deixei.
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O rapazinho, satisfeito por ganhar tanto dinheiro com tanta facilidade, correu o mais depressa que pode e, pouco depois, entregou ao soldado o ele lhe pedira.
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Fora dos muros da cidade, a forca já estava preparada. Um batalhão de soldados cercava o recinto e, logo atrás, milhares de pessoas esperavam pela execução. O rei e a rainha estavam instalados nos seus tronos. Em frente, reuniam-se os juízes e os conselheiros.
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Hans Christian Andersen
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