O Gato das Botas
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O GATO DAS BOTAS – Histórinhas D’ Embalar #27
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Era uma vez um moleiro que tinha três filhos. Quando morreu deixou-lhes apenas um moinho, um burro e um Gato. Não foi preciso chamar o notário para dividir este património tão pequeno. O filho mais velho ficou com o moinho e o do meio ficou com o burro. Para o filho mais novo só sobrou o Gato. O rapaz ficou muito desapontado por receber uma herança tão pequena.
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– Meus irmãos – disse ele – conseguiríamos viver honestamente se juntássemos os nossos haveres; mas, pela parte que me toca, assim que comer o Gato e fizer um casaco com a sua pele, ficarei sem nada.
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O Gato entendeu perfeitamente estas palavras, mas fingiu não perceber e disse com um ar muito sério:
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– Não fiques preocupado, Senhor. Só tens que me dar um saco e um par de botas para poder andar na floresta. Verás que a tua parte da herança não é assim tão miserável.
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O rapaz não acreditou no Gato. No entanto, como já o tinha visto usar truques para caçar ratos, ficou com esperança de que ele o pudesse ajudar.
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Assim que recebeu as suas botas, o Gato calçou-as, pôs o saco ao ombro e dirigiu-se a um local onde havia muitos coelhos. Meteu no saco um pouco de farinha, umas folhas de alface e deitou-se no chão, fingindo-se morto. O seu plano era esperar que algum jovem coelho, ignorante das coisas do mundo, aparecesse e procurasse no saco a comida que ele aí havia guardado.
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Assim que se deitou, aconteceu o que ele queria e um coelho entrou na armadilha. O Mestre Gato puxou os cordões do saco e matou o coelho sem misericórdia.
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Satisfeito com a caçada, o Gato dirigiu-se ao palácio do rei e pediu uma audiência. Ao entrar nos aposentos reais, saudou o rei com uma grande vénia e disse:
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– Trago a Vossa Majestade um coelho bravo que o Marquês de Carabás (este foi o título que ele inventou para o seu amo), me ordenou que lhe oferecesse em seu nome.
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– Diz ao teu amo – respondeu o rei – que eu agradeço e aprecio a sua gentileza.
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Passados alguns dias, o Gato escondeu-se num campo de trigo. Assim que duas perdizes entraram no seu saco, fechou-o rapidamente. Foi então oferecê-las ao rei, como tinha feito com o coelho. Ele agradeceu e mandou servir-lhe uma bebida. Durante os dois ou três meses seguintes o Gato continuou a oferecer ao rei algumas peças de caça em nome do seu amo.
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Um dia, sabendo que o rei ia passear à beira rio com a sua filha, a mais bela princesa do mundo, disse ao amo:
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– Se quiseres seguir o meu conselho, ficarás rico. Só tens que te banhar no rio, no local que te indicar. Deixa o resto comigo.
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O Marquês de Carabás seguiu o conselho do Gato, sem imaginar o que iria acontecer.
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Quando o rei se aproximou do local, o Gato começou a gritar a plenos pulmões:
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– Socorro, socorro, o Marquês de Carabás está a afogar-se!
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Ao ouvir semelhante alarido, o rei espreitou pela janela da sua carruagem. Assim que reconheceu o Gato que lhe havia oferecido tantas peças de caça, ordenou aos seus guardas que socorressem o Marquês de Carabás.
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Enquanto retiravam o pobre Marquês do rio, o Gato aproximou-se da carruagem do rei e disse-lhe que uns ladrões tinham roubado a roupa do seu amo, apesar de ele ter gritado bem alto que o estavam a assaltar.
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O rei ordenou logo que fossem buscar um dos seus fatos mais elegantes para o Marquês de Carabás vestir. Recebeu-o, depois, com afecto. Como as belas roupas que o Marquês de Carabás vestia realçavam a sua boa figura, a princesa achou-o muito atraente e apaixonou-se por ele.
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Em seguida, o rei convidou-o a subir para a carruagem para continuarem juntos o passeio.
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Encantado por ver o seu plano a resultar, o Gato correu à frente e, vendo alguns camponeses que trabalhavam num prado, disse-lhes:
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– Amigos, se não disserem ao rei que o campo onde estão a trabalhar pertence ao Marquês de Carabás, corto-vos aos bocadinhos.
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O rei perguntou aos ceifeiros a quem pertenciam as terras em que trabalhavam.
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– São do Marquês de Carabás – responderam eles, com receio das ameaças do Gato.
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– Tem aqui uma grande propriedade – disse o rei ao Marquês.
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– Como pode ver, Senhor – respondeu o Marquês – é um campo que dá boas rendas todos os anos.
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O Gato continuou a correr à frente e voltou a ameaçar outros camponeses:
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– Amigos, se não disserem ao rei que o campo onde estão a trabalhar pertence ao Marquês de Carabás, corto-vos aos bocadinhos.
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O rei, que passou pouco depois, quis saber a quem pertenciam todas aquelas searas.
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– São do Marquês de Carabás – responderam os ceifeiros.
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Correndo sempre à frente da carruagem, o Gato fez a mesma ameaça a todos os que encontrou, e o rei ficou maravilhado com a grande riqueza do Marquês de Carabás.
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Finalmente, o Gato chegou a um belo castelo que pretencia a um gigante, o mais rico que alguma vez se viu, porque todas as terras por onde tinham passado lhe pertenciam. O Gato teve o cuidade de se informar sobre quem era este gigante e sobre o que sabia fazer. Pediu que o deixassem falar com ele, pois ficaria muito honrado em cumprimentá-lo.
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O gigante recebeu-o tão delicadamente quanto um gigante sabe fazê-lo e convidou-o a sentar-se.
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– Disseram-me que podes transformar-te em qualquer animal, por exemplo num leão ou num elefante – disse o Gato.
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– Informaram-te acertadamente – respondeu o gigante. Para te provar que é verdade, vou transformar-me num leão.
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Quando viu um leão à sua frente, o Gato ficou muito assustado e saltou para o telhado, embora com alguma dificuldade porque as botas não o ajudaram nada.
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Assim que o gigante tomou a sua forma habitual, o Gato desceu do telhado e garantiu que se assustara muito.
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– Também me disseram, mas custa-me a acreditar, que também tens o poder de te transformares nos animais mais pequenos, como por exemplo num ratinho. Confesso que acho isso impossível – afirmou o Gato.
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– Impossível? – Gritou o gigante. – Já vais ver.
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Nesse preciso momento transformou-se num ratinho que começou a correr pelo chão. Mal o viu, o Gato atirou-se a ele ecomeu-o.
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Entretanto, o rei chegou às portas do castelo e pediu para o visitar. O Gato ouviu a carruagem a passar pela ponte levadiça e correu a receber o rei fazendo uma grande vénia:
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– Bem-vindo ao castelo do Marquês de Carabás.
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– O quê! – Exclamou o rei. – Este castelo também é vosso, Marquês? Nunca vi um pátio tão bonito. Se mo permitires, gostaria de visitar o seu interior.
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O Marquês deu o braço à princesa e, juntos, seguiram o Rei. Entraram numa grande sala onde tinham à sua espera um magnífico banquete que o gigante tinha mandado preparar para os amigos.
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O Rei estava encantado com as boas qualidades do Marquês e a sua filha, a princesa, estava apaixonada por ele.
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Conhecendo a riqueza do Marquês e depois de ter bebido algumas taças de vinho, o Rei propôs-lhe:
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– Depende apenas de si, Marquês. Se desejar, poderá ser meu genro.
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Com uma grande vénia, o Marquês aceitou a honra que lhe fora concedida e nesse mesmo dia casou com a princesa.
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O Gato tornou-se um grande senhor e desistiu de caçar ratos, excepto para se divertir.
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Charles Perrault
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