Os Borlububos e a dança das letras
domingo, 4 de Setembro de 2016 18:00:00 Europe/Lisbon
Os Borlububos e a Dança das Letras - Histórinhas D' Embalar #30
Os Borlububos são fantasminhas que vivem nos subterrâneos do Porto, antigos aquedutos que transportavam a água até à cidade, quando o Porto era mais pequeno e ainda não tinha água canalizada.
Os dois fantasminhas são irmãos e gostam muito um do outro. O Borlububo, que é o mais novo, tem uma grande admiração pela irmã, Borlububa, e quer ser como ela quando for grande. Considera-a sábia porque ela responde a todas as suas perguntas. E ele é bastante perguntador.
Mas a mana não se irrita e até parece gostar que ele seja tão curioso. É sinal de inteligência. Por isso, quando ela sai dos subterrâneos, o irmão acompanha-a.
Saem sempre à noite porque os seus olhos, habituados à escuridão dos aquedutos, não toleram a luz solar.
Esta noite, a Bolububa quer mostrar ao irmão a parte Oriental da cidade. Por isso, em vez de saírem pelo sítio do costume, frente à igreja dos Congregados, seguem por outro ramal. Andam um bocado em subida, a té a Borlububa levanta uma tampa de saneamento e espreita para ver onde estão. O seu olhar é imediatamente atraído por uma enorme janela, iluminada, na Avenida de Rodrigues de Freitas.
- Saímos já daqui - diz ela, ajudando o irmão a subir.
Coloca a tampa no lugar e aproxima-se da grande janela, que mais parece uma parede envidraçada. Do outro lado do vidro, vêem uma menina numa cadeira de rodas, segurando nas mãos um livro aberto, enquanto a mãe lhe entrança os cabelos.
Parece uma fada pequenina.
Encantada com aquela visão, a Borlububa cola-se à vidraça e o irmão imita-a. Parecem hipnotizados.
Ninguém os vê porque são fantasmas e todos os fantasmas, mesmo os pequeninos são invisíveis.
Com o dedo a deslizar sobre o livro, da esquerda para a direita, a menina trauteia:
- Tro-fá-fá´rá! O comboio da Trofa pára! Tro-fá-fá-rá!
O comboio da Trofa arranca.
- O que é aquilo?! Pergunta o Borlububo.
- é um trava línguas – responde-lhe a irmã.
- E para que serve?
- É a ginástica da fala - diz-lhe a Borlububa, reparando que a menina pousa o livro com ar de desânimo.
Oh! As letras estão todas agarradas ao livro. Ajudas-me a arranca-las, mãe?
- Não Teresinha! Não pode ser. As letras pertencem ao livro.
- Mas eu preciso das letras para formar novas palavras.
- Brinca com elas assim, filha. O papá está a chegar para te ler uma historia e dar-te as boas noites – aconselha a mãe, colocando-a na cama.
É então que o Borlububo repara na magreza das desvitalizadas pernas da menina.
-Que é que ela tem nas pernas?
- é paraplégica – responde a irmã.
O Borlububo vai fazer outra pergunta quando a irmã o chama com uma palmadinha no ombro.
- Vem daí!
Seguindo a irmã, uns passinhos atras dela, o Borbulho pergunta:
- Já vamos embora?
- Não ouviste a menina a dizer que queria brincar com letras soltas? Vamos ajuda-la a satisfazer o seu desejo.
- E onde vamos buscar letras?
- À casa dos livros!
- Hum…?! Os livros têm casa?
- Claro!
- E os sem-abrigo não…? - Questiona. Como falasse sozinho.
A Borlububa detém-se e volta-se, cobrindo o irmão com um olhar embevecido. Aquela associação de ideias pareceu-lhe ter mais sacarmos que inocência.
- Não é a mesma coisa – esclarece. Os livros são coisas e os sem-abrigo são pessoas. E as pessoas é que fazem as casas e os livros…
- São? E os sem-abrigo, quem os faz?
- Não caiem do céu, é verdade, mas depois explico. Agora temos que nos despachar com as letras, antes que a menina adormeça.
Embora ainda confuso, o fantasminha muda de assunto:
- E a casa dos livros onde é? Na livraria…?
A Borlububa agita a cabeça em sinal negativo.
- As livrarias são lojas. Os Livros não moram lá. Só lá estão de passagem, até que as pessoas se interessem por eles e os comprem. Para os lerem elas mesmas ou para oferecerem a outros leitores.
- Mas, então onde moram?
- Chegámos! – informa a Borlububa.
Esta é a casa dos livros: a Biblioteca. É aqui que os livros moram. Segue-me! Temos de ser rápidos, senão a menina adormece triste.
Um atrás do outro, os dois fantasminhas entram na Biblioteca e vão direitos à sala dos livros para a infância.
(CONTINUA)
Para a semana não deixe de ler o que se veio a passar na casa dos livros!